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3 postagens marcadas com "poesia"

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Epitalâmio, o poema que errou destino e destinatário

· Leitura de 2 minutos
Manu Magalhães
Curiosa, né?

Hoje é dia das mães na Inglaterra.
Neruda, desculpa, mas como mulher não consigo ler o trecho abaixo (o poema original é bem grandinho!) sem pensar imediatamente na maternidade biológica; na delicadeza, fragilidade e beleza que é gerar uma nova vida no ventre. Aliás, eu até fiquei decepcionada quando o poema revela um amor romântico. É claro que eu não sabia o significado de epitalâmio até então, nem em que livro o poema havia sido publicado, mas quem se importa com esses detalhes?

Por isso, lamento. Pra mim, este é e sempre será um poema sobre a maternidade. Assim compartilho a versão que teria vindo à luz fosse eu a editora. Mas teríamos que repensar o título :D



quotes icon by Michel Rojas, The Noun Project

Lembras-te de quando
no inverno
chegámos à ilha?
O mar erguia em nossa direcção
uma taça de frio.
Nas paredes as vides
sussurravam deixando
cair folhas obscuras
à nossa passagem.
Tu eras também uma folhinha
que tremia no meu peito.
O vento da vida pôs-te ali.
Num princípio não te vi: não soube
que ias andando comigo
até que as tuas raízes
furaram o meu peito,
uniram-se aos fios do meu sangue,
falaram pela minha boca,
floresceram comigo.
Assim foi a tua presença inadvertida,
folha ou ramo invisível,
e depressa se povoou
o meu coração de frutos e sons.
Habitaste a casa
que te esperava obscura
e acendeste então as luzes.
Lembras-te, meu amor,
dos nossos primeiros passos na ilha?
As pedras cinzentas reconheceram-nos,
as fendas da chuva,
os gritos do vento na sombra.
Mas foi o fogo
o nosso único amigo,
junto dele abraçámos
o doce amor de inverno
a quatro braços.

NERUDA, Pablo. Epitalamio / Epitalâmio. Tradução de Thiago de Mello. In: Os Versos do Capitão. Bertrand, 1994

Para Além da Curva da Estrada

· Leitura de um minuto
Manu Magalhães
Curiosa, né?
quotes icon by Michel Rojas, The Noun Project

Para além da curva da estrada
Talvez haja um poço, e talvez um castelo,
E talvez apenas a continuação da estrada.
Não sei nem pergunto.
Enquanto vou na estrada antes da curva
Só olho para a estrada antes da curva,
Porque não posso ver senão a estrada antes da curva.
De nada me serviria estar olhando para outro lado
E para aquilo que não vejo.
Importemo-nos apenas com o lugar onde estamos.
Há beleza bastante em estar aqui e não noutra parte qualquer.
Se há alguém para além da curva da estrada,
Esses que se preocupem com o que há para além da curva da estrada.
Essa é que é a estrada para eles.
Se nós tivermos que chegar lá, quando lá chegarmos saberemos.
Por ora só sabemos que lá não estamos.
Aqui há só a estrada antes da curva, e antes da curva
Há a estrada sem curva nenhuma.

Pessoa, Fernando. “Poemas Inconjuntos”. Poemas Completos de Alberto Caeiro. Presença, 1994

Os Justos

· Leitura de um minuto
Manu Magalhães
Curiosa, né?
quotes icon by Michel Rojas, The Noun Project

Um homem que cultiva seu jardim, como queria Voltaire.
O que agradece que na terra exista música.
O que descobre com prazer uma etimologia.
Dois empregados que em um café do Sur jogam um silencioso xadrez.
O ceramista que premedita uma cor e uma forma.
O tipógrafo que compõe bem esta página, que talvez não lhe agrade.
Uma mulher e um homem que leem os tercetos finais de certo canto.
O que afaga um animal adormecido.
O que justifica ou quer justificar um mal que lhe fizeram.
O que agradece que na terra exista Stevenson.
O que prefere que os outros estejam certos.
Essas pessoas, que se desconhecem, estão salvando o mundo.

BORGES, Jorge Luis. Los justos / Os justos. Tradução de Josely Vianna Baptista. In: Poesia. Companhia das Letras, 2009

(..) e que é o que o Senhor pede de ti, senão que pratiques a justiça, e ames a benignidade, e andes humildemente com o teu Deus? Miquéias 6:8