Epitalâmio, o poema que errou destino e destinatário
Hoje é dia das mães na Inglaterra.
Neruda, desculpa, mas como mulher não consigo ler o trecho abaixo (o poema original é bem grandinho!) sem pensar imediatamente na maternidade biológica; na delicadeza, fragilidade e beleza que é gerar uma nova vida no ventre. Aliás, eu até fiquei decepcionada quando o poema revela um amor romântico. É claro que eu não sabia o significado de epitalâmio até então, nem em que livro o poema havia sido publicado, mas quem se importa com esses detalhes?
Por isso, lamento. Pra mim, este é e sempre será um poema sobre a maternidade. Assim compartilho a versão que teria vindo à luz fosse eu a editora. Mas teríamos que repensar o título :D
Lembras-te de quando
no inverno
chegámos à ilha?
O mar erguia em nossa direcção
uma taça de frio.
Nas paredes as vides
sussurravam deixando
cair folhas obscuras
à nossa passagem.
Tu eras também uma folhinha
que tremia no meu peito.
O vento da vida pôs-te ali.
Num princípio não te vi: não soube
que ias andando comigo
até que as tuas raízes
furaram o meu peito,
uniram-se aos fios do meu sangue,
falaram pela minha boca,
floresceram comigo.
Assim foi a tua presença inadvertida,
folha ou ramo invisível,
e depressa se povoou
o meu coração de frutos e sons.
Habitaste a casa
que te esperava obscura
e acendeste então as luzes.
Lembras-te, meu amor,
dos nossos primeiros passos na ilha?
As pedras cinzentas reconheceram-nos,
as fendas da chuva,
os gritos do vento na sombra.
Mas foi o fogo
o nosso único amigo,
junto dele abraçámos
o doce amor de inverno
a quatro braços.